Opinião: 17 de Maio – Dia de luta internacional contra a  homofobia e seus traumas

Por Renan Antônio da Silva

Afinal, qual a razão de tantas discussões para homoafetividade? A atração física, estética ou emocional pelo mesmo gênero gera uma série de desacordos e severas críticas, especialmente para os que não compreendem os processos relacionados. Na verdade, de modo algum será possível compreender porque a homoafetividade por mais que seja discutida,  analisada e debatida do meu ponto de vista, é algo e cunho tão íntimo e pessoal que nem a ciência, nem a religião, e nem as ilações humanas jamais poderão produzir uma conclusão final sobre a questão.

Ao longo da história da humanidade, os aspectos individuais da homossexualidade foram admirados, tolerados ou condenados de acordo com as normas sexuais vigentes nas diversas culturas e épocas em que ocorreram.  Quando admirados esses aspectos eram entendidos como uma maneira de melhorar a sociedade; quando condenados, eram considerados um pecado ou algum tipo de doença, sendo em alguns casos, proibidos por lei. Desde meados do século XX a homossexualidade tem sido gradualmente desclassificada como doença e descriminalizada em quase todos os países desenvolvidos, a maioria do mundo ocidental. Entretanto, o estatuto jurídico das relações homoafetivas ainda varia muito de país para país.

Por exemplo, Portugal, Espanha, Países Baixos, Bélgica, África do Sul, Canadá, Noruega, Suécia, Islândia. Argentina e, recentemente Estados Unidos aprovaram leis que permitem o casamento homoafetivo, com o status idêntico ao casamento civil heteroafetivo. O caso mais suis generis é o da Argentina, pois essa é uma República Confessional Católica Romana (Constituição Federal, artigo 2°), e isso não a impediu de aprovar uma lei laica sobre casamento homoafetivo. Noruega (Constituição, artigo 4°) e Islândia (Constituição, artigo 62) embora sejam confessionalmente Luteranos, estão entre as alas da cristandade mais moderadas, sendo que a Igreja Luterana têm muitos posicionamentos sobre o assunto, mas nenhum deles coercitivo. A Igreja Católica, por outro lado, tem seu posicionamento firme: reprova o casamento homoafetivo.

Cerca de 12% de católicos do planeta estão no Brasil. Isso significa 65% de sua população total de católicos de rito latino, além de 29% de protestantes e evangélicos (sendo protestantes tradicionais, tais como presbiterianos, anglicanos, luteranos, batistas etc; mais os chamados evangélicos em milhares de denominações).

Com esse perfil religioso, o Brasil é o Estado laico mais religioso do planeta. Raramente uma pessoa se diz sem religião. Algumas frequentam várias ao mesmo tempo e o sincretismo é forte na cultura brasileira, com exceção de alguns grupos que mantêm-se separados de todos os demais, como as Testemunhas de Jeová, que no Brasil chegam a quase um milhão, o terceiro país no mundo  com mais pessoas desse grupo específico.

O resultado disso é direto sobre a legislação. No Brasil, é permitido o registro em cartório da união civil homoafetiva, que é equiparada ao casamento heteronormativo, mas ipsis literis, não existe lei que permita o casamento homoafetivo propriamente expresso. Desde 1995, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.151, da deputada Marta Suplicy. Esse projeto tem por intenção regularizar o casamento homoafetivo, dando-lhe status de união civil plena, alterando legislações conflitantes. Já se vão quase 12 anos e o Projeto está parado na  Câmara, sem nenhuma discussão, principalmente pela forte oposição dos Deputados Federais ligados aos setores religiosos, que são maioria.

O Código Civil Brasileiro de 2002, ou seja, já do século XXI é explícito ao declarar que o “O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados” (artigo 1.514), o mesmo entendimento repete- se no artigo 1.517, sobre a idade mínima para homem e mulher casarem-se, no artigo 1.565 sobre as obrigações legais que assumem homem e mulher ao se casarem. O Código Civil Português fala sobre o casamento como sendo “o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família” (artigo 1.577), sem fazer especificação do que é “sexo diferente”, como faz o Código brasileiro: homem e mulher. Esse Código português vigente, vale ressaltar, foi elaborado durante o regime salazarista e não era tão taxativo quanto aos nubentes. A lei 9 de 2009, por fim, atualizou o Código,  de  modo  que o  mesmo  artigo  hoje diz que o casamento é “o contrato celebrado entre duas  pessoas que pretendem constituir família”.

Estamos falando de milhões de jovens e adultos que apenas desejam ter o direito a viver sem medo  de serem assassinados,  que não só querem se unirem legalmente, pois são violados em seus sentimentos e afetos, assim como pessoas heteroafetivas têm e usufruem esse direito. A vida de tais não é um jogo de negociações políticas ou comerciais, mas pessoas que têm as mesmas necessidades humanas que todos os demais têm. Contudo, a persistente violação dos Direitos Humanos de populações homoafetivas estão criando definitivamente, a criminalização velada de um modo de vida que não causa dano algum, nem no nível micro, nem macrossocial. Antes, são pessoas com  intelecto,  disposição,  energias  como  todas as demais pessoas e que têm um potencial mal explorado por puro preconceito.

Não podemos falar que há ignorância por parte das pessoas porque a ignorância é o desconhecimento sobre um assunto. O preconceito, antes, é fruto do medo ou do ódio. Medo de que paradigmas sejam transpostos. Ódio por se perceber que a exploração violenta, socioeconômica tende a se esgotar ao passo que as populações homoafetivas recebem o merecido e necessário respeito e garantização de novos direitos, como o casamento civil, o direito à adoção, entre outros.

 

Renan Antônio da Silva: Antropólogo e Pesquisador. É doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP – Araraquara. Realizou estágio doutoral com bolsa CAPES/PDSE junto ao Centro em Investigação Social (CIS/ISCTE-IUL), em Lisboa/Portugal, na linha temática Gênero, Sexualidades e interseccionalidade (2015-2016).E-mail: [email protected]

 

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